A histórica Usina Aricá, que nos anos de 1970 já estava em decadência, acabou sendo objeto de uma ação trabalhista reunindo operadores de direito que marcaram época e se cruzaram com pessoas de influência em outras regiões.
Distribuído em julho de 1971, o processo trabalhista número 18 da Comarca de Santo Antônio do Leverger iria percorrer todos os caminhos nos três graus da Justiça do Trabalho, sendo liquidado em setembro de 1975.
Assinou a reclamação o então acadêmico (que hoje chamamos de estagiário) Leopoldino Marques do Amaral, inscrito na OAB sob o número 388, se dizendo “solicitador”. No decorrer do processo, formou-se na UFMT e passou a ser chamado de “doutor”. Tornou-se um respeitado juiz de direito, referência como conferencista e articulista da área jurídica.
No final do século passado, entrou em conflito com outros magistrados da Justiça Estadual, tendo denunciado um grande número de desembargadores e juízes. Logo depois, foi encontrado morto no Paraguai em 7 de setembro de 1999, crime envolto em mistério, com grande repercussão.
O Processo
O reclamante, Milton Alves da Silva, tinha atuado como encarregado geral na Usina Aricá, mas propôs a ação contra a pessoa do proprietário, membro de tradicional família cuiabana, os Ponce de Arruda. Na petição inicial, disse que nasceu na Usina e passou a trabalhar nela ao completar 18 anos, em 1939.
Pedia rescisão indireta, pois estava há cinco anos sem receber salário em espécie, ganhando apenas uma parte dos vencimentos em mercadoria fornecida pelo armazém da fazenda. Solicitava também a indenização, em dobro, pela rescisão, pois, contando mais de 10 anos de emprego, tinha estabilidade.
O patrão contestou dizendo que o contrato começara apenas em 1960 e que a carteira de trabalho teria sido falsificada. O trabalhador alegava também que a fazenda fora vendida e que o dono disse que nada devia aos ex-empregados, uma vez que, depois do negócio, até ele tinha passado a ser empregado.
Realmente, no começo daquele ano, a propriedade tinha sido vendida para o Grupo Atalla, uma família de usineiros que atuavam em São Paulo e no Paraná. O líder deles, Jorge Volney Atalla, era um poderoso empresário com ligações fortes com o governo militar, de quem recebia empréstimos vultosos. Mas ele ficou mesmo conhecido por comandar a Coopersucar, que nos anos de 1970 patrocinou o único carro brasileiro de Fórmula 1, projeto fracassado do piloto Emerson Fittipaldi.
Entretanto, como no contrato de venda da fazenda e da usina o vendedor assumia todas as obrigações trabalhistas, a defesa do ex-patrão ficou desarmada, e, mesmo com a defesa tendo sido elaborada por seus advogados, a sentença do juiz deferiu praticamente todos os pedidos do trabalhador.
Sobre o tempo de serviço, o magistrado acolheu o pedido de que a relação de trabalho começara de fato em 1939, já que o natural era mesmo o funcionário, nascido na usina, trabalhar nela quando chegasse aos 18 anos. E a alegada falsificação na carteira de trabalho não ficou devidamente comprovada.
Inconformado, o fazendeiro recorreu ao Tribunal do Trabalho da 2ª Região (SP). No julgamento, o Ministério Público deu parecer favorável à sentença, e a Turma do Tribunal manteve a decisão proferida em Mato Grosso.
O fazendeiro voltou a apresentar recurso, desta vez ao Tribunal Superior do Trabalho. Com parecer novamente contrário por parte do procurador do trabalho, o recurso sequer foi conhecido em Brasília.
Ele ainda entrou com embargos de declaração ao Pleno do Tribunal, os quais também não foram reconhecidos. O ministro Thélio da Costa Monteiro, que presidiu a votação, afirmou em seu voto: “E, segundo a prova, era o empregado vítima do truck system*, pago confessadamente com mercadorias. Tal prática, no interior de Mato Grosso, bem revela o seu desajuste às leis sociais.”
O TST mandou, então, que o processo retornasse à Junta de Conciliação e Julgamento de Cuiabá para o cumprimento da sentença. Feitos os cálculos, o fazendeiro pagou ao ex-empregado, em 1975, um total de 30 mil em moeda da época.
A liberação do dinheiro e o encerramento do processo coube ao juiz Alcedino Pedroso da Silva, que dá nome ao prédio administrativo do TRT/MT. No Termo de Pagamento e Quitação da última parcela, identificam-se ainda as assinaturas da servidora Vanda Marchetti, chefe de secretaria, e do advogado Leopoldino Marques do Amaral.
A crônica acima é uma homenagem ao dia do estagiário, celebrado no dia 18 de agosto. O texto faz parte da obra Foi Assim... vidas, olhares e personagens por trás dos processos trabalhistas em Mato Grosso, publicada em homenagem aos 25 anos de TRT/MT. As histórias do livro são divulgadas semanalmente nos canais de comunicação do judiciário trabalhista do estado.