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TRT23:Foi Assim... Viúva de Marido Vivo

8 de novembro de 2023

Diz a teoria do efeito borboleta que o bater de asas de uma mariposa tem o condão de provocar, no outro lado do mundo, um tufão. O relato dramático feito por uma mulher de um caminhoneiro a um médico é um exemplo dessa teoria. Era para ser mais um dia como outro qualquer para o médico Lamberto Henry, da Delegacia Regional do Trabalho de Rondonópolis, na região Sul de Mato Grosso, quando ele atendeu à esposa de um motorista de caminhão. Desesperada, ela foi se queixar que a abusiva carga de trabalho ao qual o marido era submetido o havia afastado do convívio familiar, fazendo dela “viúva de um marido vivo”.

A narrativa da mulher, naquela manhã de 2007, sobre as péssimas condições de trabalho do marido que o levaram, inclusive, a fazer uso constante de rebites – droga derivada de anfetaminas e muito conhecida por seus efeitos estimulantes sobre o sistema nervoso central – para aguentar as longas jornadas, chocou o especialista, que decidiu chamar representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) para verificar se aquele relato era resultado de um fato isolado ou sintoma de um doença social maior.

Foi o bater de asas que, quase cinco anos mais tarde, terminou por preencher uma lacuna antiga na legislação brasileira: uma lei que disciplinasse a profissão e a jornada dos motoristas profissionais. Após saber do caso, os procuradores do trabalho deram início a uma investigação que resultou em uma Ação Civil Pública ajuizada na 1ª Vara do Trabalho de Rondonópolis. Nela, os procuradores pediam a proibição do trabalho dos motoristas entre às 22h de um dia e às 5h do dia seguinte bem como o controle da jornada de trabalho dos profissionais pelas empresa.
Segundo a pesquisa que deu base científica à ação, 71% dos motoristas trabalhavam mais de 13h por dia nas rodovias mato-grossenses, sendo que, desses, 31% ficavam mais do que 16h na estrada. Além disso, 30% faziam uso de drogas, como cocaína e anfetaminas.

Os dados levaram os procuradores a uma conclusão já bem conhecida pelo senso comum: as estradas estavam repletas de motoristas cansados, estressados e drogados para suportar a extenuante jornada de trabalho imposta, trazendo riscos não só para eles, como para outras pessoas e famílias que trafegavam por essas vias.

Em 17 de dezembro de 2007, o juiz da 1ª Vara do Trabalho de Rondonópolis atendeu parte dos pedidos feitos pelo MPT e determinou, ainda em decisão liminar, que as transportadoras passassem a manter controle da jornada de seus motoristas por meio de ficha de controle de horário externo e, também, que começassem a identificar os discos dos tacógrafos de seus caminhões com a data, placa do veículo e nome do motorista por cinco anos. Nas palavras do magistrado, tratava-se de uma medida que visava assegurar atos de documentação para possibilitar o efetivo conhecimento da jornada de trabalho desenvolvida pelos profissionais, empregados e autônomos. Com isso, seria possível apurar a extensão do problema e, no julgamento final do caso, determinar as medidas necessárias para garantia dos direitos.

A decisão valia para todo o território brasileiro e acabou virando manchete nos principais jornais do país. A Confederação Nacional dos Transportes (CNJ) recorreu da liminar e o caso acabou sendo transferido para a 14ª Vara do Trabalho de Brasília. Lá, um acordo entre os procuradores e os representantes das empresas previa a apresentação de um projeto de lei no Congresso Nacional que permitisse o descanso dos motoristas e uma maior segurança nas estradas. Nascia, assim, a Lei 12.619/2012, popularmente
conhecida como “Lei do Descanso” ou “Lei dos Caminhoneiros”. A nova legislação previa expressamente a obrigatoriedade de pausas para descanso e um intervalo de, no mínimo, 11 horas entre uma jornada diária e outra.

A norma acabou desagradando parte do empresariado como também os próprios motoristas autônomos, que chegaram a fazer greves e paralisações. No Congresso, a bancada ruralista propôs, quatro meses após a aprovação da lei, um novo projeto com várias alterações, em especial, o aumento do limite da jornada de trabalho, que poderia chegar a até 12 horas diárias, em caso de previsão em acordo ou convenção coletivo. Três anos depois, o presidente da República publicaria essas novas regras.

A edição de uma norma que regulamentasse minimamente a profissão dos motoristas profissionais era uma lacuna existente há muito tempo na legislação brasileira, em especial pela importância da área para a economia, somente concretizada após as leis publicadas a profissão dos motoristas profissionais era uma lacuna existente há muito tempo na legislação brasileira, em especial pela importância da área para a economia, somente concretizada após as leis publicadas a partir de 2012.
E pensar que, mesmo com a atividade legislativa de deputados e senadores, foi o relato desesperado da “viúva de um marido vivo” que acabaria por, definitivamente, dar o impulso necessário para que as discussões pudessem avançar e se concretizar no texto da lei. E tudo isso começou em Mato Grosso.

A crônica acima é uma alusão ao Dia Nacional do Caminhoneiro, instituído oficialmente no dia 16 de setembro pela Presidência da República. O texto faz parte da obra Foi Assim... vidas, olhares e personagens por trás dos processos trabalhistas em Mato Grosso, publicada em homenagem aos 25 anos de TRT/MT. As histórias do livro são divulgadas semanalmente nos canais de comunicação do judiciário trabalhista do estado.

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