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TRT3:NJ Especial – 4º Painel: O meio ambiente de trabalho e as pessoas com deficiência no Brasil.

8 de novembro de 2023

No Brasil, quase 24% da população tem algum tipo de deficiência. A deficiência visual tem maior ocorrência, seguida da motora, da auditiva e da mental. As mulheres têm um percentual de 4% a mais que os homens. E a incidência maior é nas áreas urbanas, porque o meio industrial ainda não cumpre todas as normas de segurança no trabalho. Atualmente, 30% das pessoas com deficiência no Brasil são produzidas por acidente de trabalho.

Esses dados foram divulgados durante a palestra “O meio ambiente de trabalho e as pessoas com deficiência no Brasil”, ministrada pela procuradora do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais, Lutiana Nacur Lorentz. A palestra fez parte do seminário “Saúde e Segurança no Trabalho: enfrentamento e superação de violências”, realizado no último dia 17, no plenário do 10º andar do edifício-sede do Tribunal, em Belo Horizonte.

Durante o evento, ela demonstrou uma realidade estarrecedora, principalmente no Brasil, sobre a produção de pessoas com deficiência através de doenças do trabalho e ocupacionais. De modo geral, a procuradora informou que dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que 10% da população do mundo têm algum tipo de deficiência. Desse total, 80% estão em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. A percentagem é mais elevada no grupo com menos instrução, porque, segundo ela, o trabalho braçal é mais intenso e produz mais acidente de trabalho e doença ocupacional.

A palestrante ainda explicou que 19% das pessoas menos instruídas têm deficiência em comparação com 11% das demais. “E as mais instruídas geralmente não têm a deficiência ligada ao trabalho. A maior incidência de pessoas com deficiência pelo trabalho é no gênero feminino. Isto porque a mulher, via de regra, tem dupla ou tripla jornada e são fatigadas. E a fatiga gera muito acidente de trabalho”.

Marcadores históricos - Lutiana Nacur lembra que, para projetar o futuro, é importante termos um olhar histórico quando o assunto é o tratamento da pessoa com deficiência. Ela explica que existem quatro grandes fases históricas, que não são bem delimitadas. A primeira delas é a Fase da Eliminação, originária na Grécia antiga, onde as pessoas com deficiência eram condenadas à morte. “A visão da sociedade grega era organicista e aquilo ia atrapalhar a polis grega armada”.

Já a Fase do Assistencialismo tem o apogeu com o cristianismo. “Como matar é um dos pecados capitais, eles vão assistir as pessoas com deficiência, mas longe da sociedade”. A Fase da Integração surge na época do Renascimento, quando começaram a aparecer várias descobertas, como o Código Braille. Isso por volta de 1.500. É uma fase importante, mas com um erro de leitura. “As pessoas com deficiência têm direito de se desenvolver, mas elas têm que ser ‘consertadas’ primeiro, para depois serem socializadas”.

E no Século XX temos a Fase da Inclusão. “No campo do trabalho, a pessoa não deficiente tem que trabalhar com a pessoa com deficiência no mesmo ambiente. Hoje, não há mais desculpa porque o nosso nível tecnológico propicia as ferramentas inclusivas”.

Segundo a procuradora, essa fase é cheia de pressupostos para oferecer todos os elementos de inclusão. “Dentro da fase de inclusão estamos nos esquadros naquilo que chamamos de normas trabalhistas fundamentais, que são as oito convenções que fazem parte da Constituição da OIT. Elas são tão importantes que grande parte dos internacionalistas acreditam que só pelo fato de o país entrar na OIT não precisaria nem ratificar essas convenções”.

Lutiana Nacur Lorentz, procuradora do trabalho (Foto: Thiago Soraggi).
Lutiana Nacur Lorentz, procuradora do trabalho (Foto: Thiago Soraggi).
Leis vigentes - Com relação às leis vigentes, Lutiana Nacur lembra daquela que determina a contratação de 2% a 5% de empregados com deficiência. A Lei prevê que de 100 a 200 empregados, 2% deverão ser contratados. De 201 a 500, 3%. De 501 a 1000, 4%. E 1001 em diante, 5%. Mas ela afirma que a nossa legislação é bem frouxa nessa questão. “Na Itália a média de contratação celetista é de 50 empregados em diante”. Segundo a palestrante, a grande argumentação empresária é de que não há pessoas com deficiência querendo trabalhar no Brasil. Mas ela contesta, lembrando que o Ministério do Trabalho e Emprego criou um cadastro com cerca de 2 mil pessoas com deficiência habilitadas ou reabilitadas querendo trabalhar. E o INSS tem também uma quantidade imensa de pessoas reabilitadas querendo emprego.

Avanço – A procuradora fez questão de apontar também um avanço importante nessa área, que foi a mudança do conceito de pessoa com deficiência, determinada tanto pela Lei Brasileira de Inclusão, que entrou em vigor em 2016, quanto pela Convenção Internacional sobre as Pessoas com Deficiência, de 2006, que foi ratificada pelo Brasil em 2009. Antes as pessoas com deficiência eram classificadas pela Classificação Internacional de Doença (CID). “Então o foco ficava na doença e não na pessoa. Você esquecia da pessoa e passava a forcar no defeito aparente”.

E a Convenção da ONU passou a classificar a pessoa na Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF). O conceito então mudou. “Ela tirou a carga sobre a pessoa e colocou sobre a sociedade e o meio ambiente”. Assim, pela definição nova da ONU, as pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Então, de acordo com a procuradora, nota-se que o conceito de ambiente do trabalho se torna extremamente importante. “Segundo os estudos da ONU e da OIT, 50% da chance da pessoa ser incluída no trabalho e na sociedade não é dela e sim da adaptação ambiental. Grande parte é dela porque ela tem que ter responsabilidade para ter independência, mas grande parte é do outro também”.

Lutiana Nacur concluiu sua palestra, citando uma frase de São Francisco de Assis: “devemos nos empenhar ao máximo para mudar aquilo que podemos mudar. Devemos nos conformar com as coisas que tivemos impossibilidade de mudar e devemos ter equilíbrio para diferenciar uma coisa de outra”.

Taísa Macena: Os entraves na inclusão das pessoas com deficiência mental e intelectual no mundo do trabalho
“A inclusão de pessoas com deficiência mental e intelectual em sociedade é particularmente difícil”. Foi com essa afirmativa que a desembargadora do TRT da 3ª Região, Taísa Maria Macena de Lima, iniciou a sua fala como debatedora no painel. Para a desembargadora, na vida social, essa inclusão caminha em passos lentos, assim como no ambiente de trabalho. Mas segundo ela, dentro da expectativa criada na Lei da Inclusão Social, o meio ambiente do trabalho deve ser um fator de inclusão social. E ela pergunta: como o meio ambiente pode se tornar um fator de inclusão?

Taísa Maria explica que o Estatuto da Pessoa com Deficiência teve o intuito de alargar e resgatar a autonomia dessas pessoas, mas, por outro lado, não ficou atento às técnicas de implementação dessa autonomia. “Nós temos um sistema, um regime de incapacidade, que tradicionalmente foi fundado nesse modelo ultrapassado. E de repente, fomos para o lado oposto. A deficiência mental ou intelectual não pode ser mais causa de incapacidade. E o Estatuto confere às pessoas com deficiência a plena capacidade”.

Para a desembargadora, técnicas poderiam ser aplicadas para conseguir esse difícil equilíbrio entre a autonomia de pessoas que têm deficiência mental e intelectual e a proteção da sua vulnerabilidade. “Caso contrário, essa autonomia se transformará em um desfavor, numa grande desvantagem, nos ambientes em que essa pessoa terá que interagir”.

Como exemplo, ela cita a reforma trabalhista, que alargou a autonomia do empregado para negociações individuais sem a participação do sindicato. “Parte-se do pressuposto de que o empregado já se encontra numa condição de assimetria porque não tem condições reais de negociar em pé de igualdade com esse empregador, e mais ainda, no caso do empregado que tem deficiência mental ou intelectual, temos uma interseção de vulnerabilidade. E o Estatuto, para resgatar a dignidade dessa pessoa, diz que ela é plenamente capaz para praticar os atos jurídicos”, explica, enfatizando que fica no ar um hiato de proteção jurídica.

A desembargadora argumenta que, se essa realidade for conjugada com o sistema de nulidade do código civil, as negociações são válidas porque foram firmadas por pessoa capaz. Ela lembra que temos hoje três teses a respeito da capacidade dessa parcela da população. A primeira tese diz que as pessoas com deficiência mental e intelectual são plenamente capazes. “Elas são capazes, mas o próprio estatuto prevê um tipo especial de curatela, uma curatela de pessoas capazes. Esse curador deverá assistir e eventualmente representar na prática dos atos. Mas qual a consequência da ausência deste curador? O Estatuto não diz”, pondera a magistrada.

Desembargadora Taísa Maria Macena de Lima (Foto: Thiago Soraggi).
Desembargadora Taísa Maria Macena de Lima (Foto: Thiago Soraggi).
Pela segunda teoria, a pessoa com deficiência, que não puder exprimir sua vontade, poderá ser considerada relativamente incapaz, o que levaria a anulabilidade dos atos praticados na ausência do curador. Já a terceira teoria, a mais radical e mais ousada, diz que não se trata apenas de exprimir vontade. É necessário que a pessoa com deficiência possa exprimir uma vontade ponderada. “Assim, se ela não é capaz de exprimir uma vontade ponderada. Se não tiver discernimento para compreender a decisão e as consequências dela, neste caso é necessário reconhecer que a pessoa é relativamente incapaz. Isso levará novamente à anulabilidade desses negócios jurídicos sobre direitos trabalhistas sem a participação do curador”, afirma a desembargadora.

Taísa Macena lembra, no entanto, que o problema é que o Estatuto é muito novo para se saber, com segurança, que rumo a nossa jurisprudência tomará. “Se a jurisprudência for no sentido de que a despeito da literalidade do Estatuto, a despeito da revogação de vários dispositivos do Código Civil, as pessoas com deficiência mental e intelectual poderão ainda ser qualificadas como relativamente incapazes, elas estarão protegidas dessas negociações, sejam no direito do trabalho ou não. Mas apenas no que diz respeito à negociação de direitos de natureza patrimonial. Nos direitos de natureza extrapatrimonial, exercício de direito de personalidade, exercício de direito de família, o curador não tem nenhum papel a desempenhar”, explica.

Por outro lado, ela argumenta que, se prevalecer a outra tese, a conclusão será de que, independente do comprometimento e do discernimento do sujeito jurídico e do ponto de vista do quadro normativo, essa pessoa será plenamente capaz. Mas a desembargadora lembra que ela não será plenamente capaz no que diz respeito à titularização do direito, mas apenas quanto ao exercício dos direitos. O que, segundo ela, é uma situação estranha: “uma pessoa que é plenamente capaz, mas que necessita de um curador”.

A desembargadora defende a nulidade virtual como forma de proteção dessa parcela da população. Para Taísa Maria, essa nulidade, que estava praticamente esquecida há muito tempo, poderá ser resgatada como um instrumento para tentar o equilíbrio. Um equilíbrio, que segundo ela, é delicado, difícil, mas necessário entre a autonomia das pessoas com deficiência mental ou intelectual e a necessidade de uma assistência de proteção em face da sua vulnerabilidade.

Nesse ponto, a painelista ressalta que nem todas as pessoas que tenham um problema cognitivo ou algum diagnóstico psiquiátrico neurológico necessitam de um acompanhamento. “Hoje a medicina nos mostra que pessoas, com determinado quadro médico, podem interagir e decidir autonomamente”.

Para ela, o processo de curatela é importante quando forem percebidas limitações e a necessidade da presença de quem auxilie o trabalhador no exercício dos seus direitos e na prática de atos jurídicos relevantes que comprometam sua vida. Por fim, a palestrante fez questão de pontuar a importância do meio ambiente de trabalho na inclusão desse trabalhador. “Ele é, sobretudo, um ser humano e que tem todo direito a essa realização em todos os aspectos da vida, inclusive no trabalho”.

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